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Futebol

Exclusiva: Hugo Almeida relembra acidente, fala sobre profissão e acredita em briga por título

Escrito em

Hugo Almeida

Ao volante, Hugo Almeida voltava à Brasília depois de acompanhar o empate sem gols entre Gama x Vila Nova, em Goiânia-GO, pelas quartas de final da Copa Verde de 2016, quando um veículo veio de encontro ao dele, fazendo-o sair da pista, batendo aqui e acolá. “Pelo estado do carro e o fato de eu ter ficado intacto, vi que precisava repensar a vida”, conta Hugo.

E repensou. Começou por aceitar o convite da diretoria de esportes da Universidade de Brasília para trocar as atuações em campo pelo banco de reservas. Aos 21 anos, ainda na batalha pelo diploma de Educação Física, Hugo conciliava os jogos pela equipe com as aulas do curso, e ainda dois estágios para complementar a renda. Jogava por prazer e pelo Bolsa Atleta (antigo benefício governamental de apoio a desportistas), quando ganhou a oportunidade de treinar o time, após a saída do então comandante da equipe, Marquinhos Carvalho.

Topou o desafio e pegou gosto pela coisa. Disputou campeonatos amadores e universitários, até que, em 2017, a diretoria do Capital Clube de Futebol, que estava desativado há anos, buscou parceria com a UnB para jogar a Série B do Campeonato Candango. A campanha não foi de se orgulhar: quatro derrotas e apenas uma vitória. Mesmo assim, conquistou a confiança dos mandatários do clube, que lhe deram a gestão dos juniores da equipe, visando a disputa da Copa Novos Talentos. Vice-campeão, partiu para o Candangão da categoria com confiança renovada, mas, mais uma vez, uma campanha ruim trouxe os sonhos por terra.

Ainda incomodado pelo fracasso, tratou de trocar a frustração pelo empenho: atualizado, convicto e aproveitando-se da experiência de auxiliar técnico e analista de desempenho no profissional do time do Paranoá, voltou com tudo para a Segundinha e levou o Capital ao título invicto da competição. Se antes não tinha certeza se continuaria como treinador, o título driblou as dúvidas. “É algo que me dá motivos para viver, para sorrir”. Bom de papo e sorridente, o técnico moderno ganha tal alcunha não apenas pelas tatuagens e brincos que exibe sem a menor vergonha. Conceitos, estilos de jogo, funções táticas e preparação do elenco que o jovem treinador carrega consigo estão em sintonia com o que há de mais atual no esporte. É assim que Hugo, junto ao elenco do Capital, vai brigar pelo título do Candangão 2019.

Desafeto aos escanteios curtos (“odeio”), o treinador entra na polêmica do 4-1-4-1 ser igual ao 4-3-3, mas sem se comprometer. Diz que ambos os esquemas de jogo podem ter a mesma formatação, mas não se prende a formações. “Lógico, a gente tem que posicionar a equipe-base numa formação, mas, de acordo com diversos momentos de jogo, isso varia”.

Disse não ter problemas em treinar atletas mais vividos que ele: “acho muito legal ser chamado de ‘professor’ por caras mais velhos”, mas culpa a mentalidade da cartolagem velha guarda pelos empecilhos ao desenvolvimento do futebol brasileiro.

Não tem um ídolo específico na profissão, mas cita Tite, da Seleção Brasileira e Pep Guardiola, do Manchester City-ING como referências em gestão de elenco. Em estilo de jogo, espelha-se em Jürgen Klopp (Liverpool-ING), e Jorge Sampaoli (Santos-SP). Do português José Mourinho, apenas a personalidade: “odeio o estilo de jogo dele”.

Hugo conversou com a Esportes Brasília uma semana antes da estreia no Candangão – partida que o oficializará como o mais novo comandante das elites dos campeonatos regionais do país. Hugo tem metade dos 48 anos de média dos treinadores da primeira divisão do Campeonato Brasileiro 2018. A baixa contagem dos anos gera desconfiança em quem o contrata, mas o trabalho desenvolvido em campo banca a permanência do jovem professor no cargo.

Esportes Brasília: entrar na carreira de treinador não estava nos planos. Quando percebeu que queria seguir nesse caminho?

Hugo Almeida: No começo era mais um hobby, eu fazia por conta do dinheiro e mais para preencher o tempo. Mas depois eu vi a necessidade de, digamos, levar mais a sério. Passar credibilidade para os atletas, para a diretoria de esportes, porque tudo que eu faço na vida não posso fazer mal feito, eu gosto de dar os 100%. Por ter raiva da mediocridade, eu tentei dar o meu melhor. Aí fomos campeões invictos da segunda divisão, e foi mais ou menos quando eu tomei gosto de verdade e resolvi seguir isso como carreira. Fiz os cursos da CBF, já tinha feito alguns outros na área de análise de desempenho, porque era a outra função que eu exercia no Paranoá, e hoje eu tô aqui. Atualmente, é meu trabalho principal, em termos financeiros, Graças ao que foi feito em 2018. É o que eu quero seguir daqui em diante.

Hugo com a taça da Segundinha 2018 em mãos. Nada como um título para provar competência. Foto: Reprodução/Facebook

EB: Os levantamentos da reportagem indicam que você é o técnico mais novo do país. Quais são os maiores desafios para um novo treinador – ou um treinador novo – no Brasil, que não costuma dar muito espaço nessa área?

HA: A desconfiança das diretorias. Em qualquer cargo que você trabalhe na vida, seja futebol, seja jornalismo, o fato de ser novo gera um preconceito. Porque as pessoas, antes do conhecimento, valorizam a questão da experiência. Então, muitos acham que eu não posso conduzir uma equipe e leva-la ao título, mas eu venho provando o contrário.

EB: Alguns jogadores do seu plantel atual são mais velhos que você, e certamente isso aconteceu em outros momentos. Isso interfere nas instruções? Teve algum caso que um jogador veterano questionou suas orientações?

HA: No profissional eu nunca tive problema com isso. No universitário, lembro que era difícil passar a mensagem para os atletas, porque muitos eram amigos meus fora do campo, e eles confundiam muito a amizade com o futebol, além de nunca terem trabalhado com um técnico tão jovem. Então, eu passava a mensagem e eles queriam debater. Mas já tem dois anos que eu não me deparo com isso. Por mais que o atleta não concorde, hoje em dia eles respeitam. Acho muito legal ser chamado de “professor” por caras mais velhos. Eles veem o trabalho que eu desenvolvo há três anos, já viram minha capacidade, que eu estudo bastante. Hoje eles respeitam muito. Até porque eu tento sugar bastante dos mais velhos e passar essa vivência para os mais novos.

EB: A pré-temporada do Capital traz bastante expectativa. Por outro lado, equipes que acabaram de subir encontram dificuldade em se manter nas divisões superiores. Quais são suas perspectivas para a Série A do Candangão?

HA: A gente sempre tem boas expectativas a respeito do trabalho que a gente desenvolve. Eu não gosto de usar muito “se”, mas eu trabalho sempre para ser campeão. Com o que temos hoje (preparação física, tática e técnica), eu vejo o Capital como um dos times que vai brigar pelo título, mas o primeiro objetivo da minha equipe é conseguir a pontuação para escapar do rebaixamento. Pelos meus cálculos, com oito, nove pontos, a gente escapa com segurança, mas nos últimos anos alguns times se salvaram com sete. A primeira parte é fazer nove pontos. Estando mais tranquilo, a meta é fazer 12, para passar entre os primeiros. Daí, o que vier é lucro. Após a primeira fase, muda o campeonato, é mata-mata. Não tem como estimar. Depende de quem você enfrenta, o mando de campo etc.

EB: Um time ideal tem quantos atletas no elenco? Valoriza quais princípios de jogo? Adota quais posturas no decorrer da partida?

HA: Até 30 atletas, para mim, está perfeito. Eu não gosto de grupos grandes, fica muito difícil de gerir. Todo mundo quer jogar, e se você trabalha com 40 atletas, afeta. Até na montagem de treino, nas conversas. Quanto aos princípios, eu gosto de bola no chão, de pé em pé. Defensivamente mais compacto, ofensivamente ampliado, buscando sempre a abertura do campo. Gosto de futebol apoiado e posicional, transições rápidas, que os atletas joguem buscando aproximação, tabelas, e futebol agressivo. Um futebol que o adversário se sinta pressionado, e ofensivamente um jogo que busca o gol a todo custo. Muito se fala do Guardiola, 20 passes e gol. É legal? É, mas tem momentos que precisa cadenciar e momentos que precisa ser direto. Tenho certo preconceito com times que jogam por apenas uma bola, que se retrancam e buscam o gol no contra-ataque ou na bola parada. Quero dominar a partida do início ao fim. Quando eu estou na frente, meu time não recua. Eu não ponho mais zagueiros e volantes, eu boto meia e atacante. Lógico, sempre com cautela. Se você fez um gol, é mais fácil marcar mais um que sofrer. Eu me aproveito disso.

EB: Seu estilo de jogo traz forte compactação defensiva e um alargamento e maior profundidade no ataque, com posse de bola. Quando você propôs essa forma de jogar, houve resistência?

HA: A crítica mesmo vem dos dirigentes. A ideia de futebol deles ainda é aquela ideia de futebol jogado nos anos 1980, 1990 e início dos anos 2000, que já não é praticado na Europa e nem as primeiras divisões do campeonato brasileiro. Sofro com uma resistência dos dirigentes, que querem que eu peça ao grupo para dar balão, retrancar, jogar por uma bola. Aqui no Capital, de vez em quando surge um debate sobre isso, mas eu priorizo aquilo que é convicção minha. Deu resultado em 2018, então, apesar dos embates, eu bato o pé e executo.

EB: O 7×1 contribui de alguma forma para o surgimento de novas metodologias no Brasil? Quais as perspectivas de um treinador com três anos de carreira num país que ainda engatinha nas análises mais profundas?

HA: Depois do 7×1, muitos profissionais brasileiros que trabalhavam no exterior perderam o emprego. Eles não têm culpa, mas a imagem do Felipão e a quebra da hegemonia do Brasil como a melhor equipe do mundo fez com que muitos treinadores fossem demitidos. Então tiveram de se atualizar, estudar mais para galgar lugares melhores. Tem gente que acha “frescura” esse negócio de estudar, que só estuda quem não sabe de futebol, existe um preconceito. Pessoas como eu ficam sem oportunidades. Apesar de tudo, eu vejo a minha conquista da segunda divisão muito importante até para os treinadores poderem sonhar, conquistar espaço não só na base. Tem muita gente gabaritada, capacitada para isso.

EB: Qual a maior diferença do futebol jogado hoje no Brasil (ou pelos brasileiros) daquele jogado nos últimos títulos mundiais?

HA: As seleções de 2002 e 1994 dependiam majoritariamente da qualidade técnica dos atletas. Quando a gente lembra dessas conquistas, lembra mais dos nomes desses caras. Lógico que os outros esportistas se destacaram, mas de 1994 a gente lembra de Bebeto e Romário; de 2002, trazemos Ronaldo e Rivaldo. Não que isso seja errado, é tudo questão de perspectiva. Elas viviam em função de um drible, um chute de fora, uma batida de falta. De uns anos para cá, a Seleção é mais tática, a parte técnica dos jogadores é reduzida, enquanto a parte tática prevalece. Claro, a gente ouve falar de Neymar, mas a questão coletiva, tática, pesa mais na questão de resultados nas últimas seleções que foram montadas. De 2002 para cá, não ganhamos mais. Eu não sei dizer se é por isso, mas vejo mais valorização da parte tática que da parte técnica.

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